sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

PRECE DE UM CÃO ABANDONADO



Sabe Senhor, o que ainda não entendi?
Viemos à praça, pensei ser um passeio, estranhei. Ele não tinha esse hábito, mas vim feliz.

Aqui chegando, me deu as costas, entrou no carro e nem disse adeus. Olhei para os lados, nem sabia o que fazer – ainda tentei segui-lo e quase fui atropelado.

O que eu teria feito de tão mau? À noite, quando ele chegava, eu abanava o rabo, feliz, mesmo que ele nunca viesse me ver no quintal. Às vezes eu latia, mas havia estranhos no portão e não poderia deixá-los entrar sem avisar a meu dono.

Quem sabe foi a mando da minha dona, por eu estar lhe dando trabalho.
Não foram as crianças, elas me adoravam, e creio que nem sabem o que aconteceu. – Devem ter-lhes dito que fugi.

Como sinto saudades! Puxavam-me a cauda, às vezes eu ficava uma fera, mas logo éramos amigos novamente.

Estou faminto. Só bebo água suja, meus pêlos caíram quase todos. Nossa, como estou magro! Sabe, Pai, aqui neste canto que arrumei para passar a noite faz muito frio, o chão está molhado. Creio que hoje vou me encontrar aí contigo, no céu. Meu sofrimento vai terminar, e mesmo em espírito, vou ter permissão para ver as crianças.
Peço-vos, então, não mais por mim, mas pelo os meus irmãozinhos. Mande-lhes pessoas que deles tenham compaixão. Como eu, sozinhos não viverão mais que uns meses na terra do Homem. Amenize-lhes o frio, igual ao que agora sinto, com o calor de atos de pessoas abençoadas. Diminua-lhes a fome, tal qual a que sinto, com o alimento do amor que me foi negado. Mate-lhes a sede com a água pura de seus ensinamentos transmitidos ao homem. Elimine a dor das doenças, extirpando a ignorância da terra, o sofrimento dos que estão sendo sacrificados em rituais, em laboratórios e tire dos humanos o gosto pelo sangue.

Ampare as cachorrinhas prenhas que verão suas crias morrerem de fome, frio e pestes, sem nada poderem fazer. Abrande a tristeza dos que, como eu, foram abandonados – entre todos os males, o que mais doeu foi esse.

Receba, Pai, nesta noite gélida a minha alma, pois não será mais meu o sofrimento, mas dos que ficarem. E é por eles que vos peço.”

AutorCarlos Siviero

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